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RESIDÊNCIA JOÃO FELINTO DE ARAÚJO

Hugo Marques

DIMENSÃO NORMATIVA

Em pesquisas realizadas, verificou-se que a residência em análise não possui tombamento, e nenhum outro tipo de proteção legal junto aos órgãos preservacionistas. Segundo informações colhidas no Plano Diretor vigente na cidade (2006), a localidade na qual se encontra inserida está classificada como zona de qualificação urbana. Garcia (2018) em trabalho sobre o bairro da Prata e suas transformações urbanas ao longo dos anos, escreveu sobre a preservação legal do imóvel ali localizado:

"Quanto à preservação legal, esta edificação não se encontra protegida, pois não está inserida em área de interesse cultural (ZEIC- Plano Diretor, 2006), nem foi cadastrada ou registrada na listagem de bens imóveis tombados de Campina Grande. Assim, qualquer intervenção está legalmente autorizada, até mesmo o seu desaparecimento. Essa situação de risco é preocupante (grifo das autoras), uma vez que imóveis em bairros centrais como a Prata, tornam-se alvo da especulação imobiliária, principalmente no caso deste exemplar, por se tratar de um lote de grandes dimensões" (GARCIA, 2018, p.142).

Como afirmado por Garcia (2018), o bairro da Prata vem passando por um grave problema na preservação do acervo moderno, pois a maior parte das casas vem sendo demolidas, ou descaracterizadas, para dar lugar a usos na área de serviços médicos hospitalares. Nos últimos anos, casas de esquina que ocupavam grandes lotes foram demolidas para a construção de redes de farmácias que disputam a clientela, por exemplo, deixando a comunidade preservacionista preocupada com a falta de uma política cultural que preserve os bens modernos ainda existentes no bairro, como por exemplo, a Casa José Felinto. O GRUPAL vem documentado tais bens, e realizando um trabalho de inventário, análises arquitetônicas, reconstrução virtual, educação patrimonial na tentativa de salvaguardar o pouco que ainda resta.

DIMENSÃO HISTÓRICA

Garcia (2018, p.125) escreveu que quanto à história desta edificação, “sua construção foi solicitada em abril de 1962, pelo comerciante do ramo de embalagens plásticas, João Felinto de Araújo”. O projeto foi encomendado ao Hugo Marques e aprovada pelo Departamento de Planejamento e Urbanismo da Prefeitura Municipal de Campina Grande. Este foi zoneado em três setores: social, serviço e íntimo, possuindo 591m² de área, tendo o pavimento inferior 187m² e o superior 404m² de área. No entanto, este passou por modificações entre o projeto e a sua execução.

 

A obra, que teve como engenheiro responsável Nilton de Almeida Castro, passou por modificações nos setores social e serviço. Estas dizem respeito a retirada da dispensa e a união das duas cozinhas em uma única, além da diminuição da varanda, tais modificações resultaram uma diminuição da área construída para um total de 510m² de área construída.

 

Na época da construção da casa, já existia no seu entorno o Centro de Educação Profissional Professor Stenio Lopes (SENAI), a Casa de Saúde Dr. Francisco Brasileiro e estando sendo concluída a obra para do Centro de Atividades Aprígio Velloso da Silveira (SESI- Clube do Trabalhador), projeto do arquiteto pernambucano, Tertuliano Dionísio.

 

De acordo com depoimento da senhora Doura Felinto (2018), viúva de João Felinto e proprietária da residência, foi dada ao arquiteto total liberdade em relação ao projeto e escolhas de materiais, e que esta era considerada a ‘’menina dos olhos de Hugo’’. A construção permanece até presente momento como moradia da família Felinto, e de acordo com a proprietária, quando é necessário algum tipo de manutenção, esta é realizada por profissionais que não descaracterizam o imóvel. Desde a sua construção a residência sofreu diversas intervenções pontuais, entretanto, estas não alteraram a sua volumetria ou estruturas.

DIMENSÃO ESPACIAL

A casa está inserida em um lote de esquina, entre a Rua Antenor Navarro e a Av. Rio branco, n°647, bairro da Prata, na cidade de Campina Grande, Paraíba.

 

O bairro da Prata, desde sua origem, na década de 40, abrigou edificações de boa qualidade arquitetônica e construtiva, como o Castelo da Prata e o Colégio Estadual (atualmente, descaracterizado) - o “Estadual da Prata”, maior e mais tradicional escola pública do município. Devido à sua proximidade do bairro Centro, o local recebeu uma boa infraestrutura urbana e ocupa uma colina na cidade, possuindo uma vista privilegiada. (AFONSO E GARCIA, 2018).

 

Durante a década de 60, do século XX, época de desenvolvimento econômico industrial campinense, a Prata foi o bairro que mais se desenvolveu em termos de infraestrutura urbana, podendo-se observar um traçado de quadras regulares, ruas largas, com calçadas, praças, e um conjunto arquitetônico de residências modernas que o tornou um bairro nobre no cenário campinense.

 

Devido à sua boa acessibilidade e proximidade com o Centro, o bairro da Prata recebeu boa infraestrutura urbana, além de ocupar uma porção alta da cidade com vista privilegiada. Com tantas potencialidades, o bairro logo protagonizou a descentralização dos serviços antes concentrados no Centro, sendo conhecido nos dias de hoje como polo médico da cidade, após o surgimento de atividades destinadas à saúde a partir da década de 1980, além da implantação da Feira da Prata existente há mais de 50 anos, responsável pela expansão da Feira Central. (AFONSO e GARCIA , 2018, s/p).

 

Afonso e Meneses (2015) através de pesquisas realizadas sobre a modernidade arquitetônica campinense constataram que ali foram projetadas e construídas as mais ricas residências locais, que adotaram a linguagem moderna como vocabulário plástico formal, como por exemplo, a Casa José Felinto.

 

A quadra na qual a residência está localizada, possui, aproximadamente, metade de sua área ocupada por um conjunto de edificações que abrigam a casa de saúde Dr. Francisco Brasileiro, tendo o terreno do imóvel analisado uma área total de 936 m².

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O acesso de pedestres é realizado pela Av. Rio Branco, com muro frontal de gradis que possibilita certa permeabilidade visual. O acesso de veículos se dá pela outra rua, a Antenor Navarro, e o muro desta rua adotou um desenho escalonado, revestido com pedras.

 

O terreno possui uma topografia acidentada e foi tratado com desníveis e contenção realizada através de muro de arrimo e aterro, para nivelar parte do projeto. O agenciamento paisagístico, de forma muito bem solucionada, trabalhou com planos para tratar o problema, implantando a casa na parte de cota mais elevada, a fim de tirar partido da ventilação e da visualização para o jardim.

 

A residência possui dois pavimentos e sua planta baixa é dividida em zonas social, íntima, de serviço e lazer. O pavimento térreo em relação à Av. Rio Branco foi tratado com elevação de nível, e concentra a zona social, íntima, e a parte do serviço, constituída por copa e cozinha.

 

O pátio interno, existente nesse pavimento, criou uma riqueza plástica, além de contribuir com o microclima na edificação, através da iluminação e ventilação natural, bem como converge as três zonas do andar.

"Internamente, a configuração em planta foi feita a partir de um zoneamento de usos. Logo, foi subdividida em três zonas: social, íntima e de serviço, distribuídas em meios níveis enfatizando um relacionamento próprio entre si e com o terreno. Um pátio interno central funciona como núcleo e elemento separador entre as zonas, além de permitir maior incidência de iluminação natural" (GARCIA, 2018, p.128).

O segundo pavimento, fica no nível mais baixo do terreno, podendo ser acessado pela Rua Antenor Navarro, ali estava implantado, no projeto original: a área de serviço, composta por duas dependências, BWC, lavanderia, e garagem. Os acessos entre pavimentos são realizados por uma rampa interna, e por uma escada externa.

 

Garcia (2018) realizou a análise arquitetônica desse imóvel, escrevendo sobre a solução do programa em planta:

"Um ambiente denominado costura faz a transição entre a zona de serviço e a zona íntima dos quartos. Três dormitórios, sendo dois deles iguais, e o último muito semelhante mudando apenas o layout, volta-se para o recuo lateral. Apenas o quarto do casal está voltado para o jardim frontal, possuindo a melhor orientação. A sala vedada por panos de vidro integra-se totalmente ao terraço. Neste, apenas uma parede de cobogó cerâmico resguarda o ambiente de transição entre público e privado" (GARCIA, 2018, p.128).

DIMENSÃO TECTÔNICA

Em relação à estrutura da residência, foi utilizado o sistema do concreto armado, sem estrutura aparente, trabalhando com laje em concreto maciço, e o pavimento inferior estruturado com um muro de arrimo em pedra natural. A casa possui modulação variada, sendo a estrutura da área íntima sistemática e das demais áreas sintomática.

 

Quanto às peles, foram utilizados o belo pano de cobogós cerâmicos amarelos, os panos de brises soleils, esquadrias em madeira e vidro com persianas e janelas basculantes em ferro e vidro, variando de acordo com cada fachada e sua devida proteção climática.

 

Com relação à cobertura, esta foi arrematada por platibanda, que oculta o jogo de 4 pares de duas águas e um de uma água, que resolveram a queda das águas captadas por calhas.

 

Como revestimentos empregados na obra, desperta interesse o azulejo verde empregado na cozinha; o bonito azulejo utilizado como revestimento do pátio interno, com um desenho muito peculiar; os pisos modulados em granilite nas áreas molhadas; os tacos de madeira empregados em alguns espaços da casa; as pedras da região agreste empregadas na base e em pisos externos e o mármore usado no detalhe construtivo da escada de acesso principal, que enriquece a tectônica da obra, com seu rico detalhe.

 

Observou-se uma atenção especial do arquiteto quanto aos detalhes, presentes em escadas, esquadrias, corrimãos e no tratamento dado ao paisagismo da casa.

Residência João Felinto
Residência João Felinto
Residência João Felinto
Residência João Felinto

DIMENSÃO FORMAL

Quanto à linguagem formal empregada, é nítida a linha moderna adotada, devido ao uso dos recursos que caracterizam a arquitetura moderna. Pode-se observar na obra, uma composição diferenciada, quando relacionada às obras de profissionais que atuaram na cidade de Campina Grande, como Geraldino Duda.

 

Quando se compara à sua produção recifense, como a Casa Rozemblitz, por exemplo, observa-se a linha do arquiteto, em soluções que remetem à obra do mestre carioca Lúcio Costa, no projeto da Casa Saavedra. A solução do tratamento das esquadrias, o “espalhamento” da solução da planta baixa, o uso de pátios internos, a elevação da casa do solo, a materialidade, enfim, foram elementos muito presentes em toda a produção moderna nordestina, e muito influenciada pela Escola Carioca. (AFONSO, 2006).

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DIMENSÃO FUNCIONAL

obra foi projetada para funcionar como residência e ao longo dos anos, sempre manteve a sua função original. Contudo, levantou-se que de 1962 até o momento, a mesma passou por reformas e melhorias para adaptações funcionais em três momentos específicos: o projeto original, o projeto executado e o projeto atual.

 

As modificações programáticas ocorreram na sala de costura que se tornou uma sala de televisão; os quartos de dependência que passaram a ser utilizados como depósitos, e a modificação do terraço, que passou a funcionar como academia e espaço de lazer. Observou-se ainda, a diminuição da varanda para a implantação de um banheiro e um closet em um dos quartos, além de um aumento na extensão da garagem. No decorrer dos anos, a família adquiriu um terreno vizinho, que foi integrado à casa, e construído um anexo para abrigar a residência de um dos filhos do proprietário, assim como, a implantação de uma piscina.

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DIMENSÃO DA CONSERVAÇÃO

Em relação à conservação física, Garcia (2018) colocou que o estado era considerado muito bom, devido a nenhuma alteração volumétrica ter sido feita, sendo mantido assim, seus valores de integridade e autenticidade.

 

Os problemas patológicos são pequenos, tais como:

 

  • A platibanda apresenta alterações cromáticas que indicam infiltração na cobertura, entretanto, não se pode afirmar a sua causa.

  • Os revestimentos internos apresentam desgaste devido ao tempo e alguns tiveram que ser retirados ou substituídos devido à necessidade de manutenção, entretanto, a substituição não foi feita com o material original, o que trouxe um aspecto não uniforme ao ambiente.

  • Os revestimentos externos necessitam de manutenção contra fenômenos atmosféricos e biológicos, principalmente a chuva, a vegetação e micro- -organismos.

  • As esquadrias demonstram sinais de corrosão, flambagem, oxidação e quebra. Sendo as janelas e grades os elementos em pior estado de conservação na residência, necessitando de manutenção e reparos imediatos.

 

Apesar desses danos, pode-se dizer que a residência se encontra em um bom estado de conservação, e que seus danos podem ser reparados com facilidade, principalmente por não serem estruturais. Foi percebido, também, que a maior parte das intervenções realizadas na construção ocorreu devido à mudança de necessidades da família ao longo dos anos, mas que estas não alteraram a volumetria da edificação.

 

A família, por ser sempre a usuária do bem, o mantém bem preservado, possibilitando assim, um estudo e compreensão da modernidade arquitetônica residencial: um bom exemplo a ser seguido

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REFERÊNCIAS

AFONSO, A. Notas sobre métodos para a pesquisa arquitetônica patrimonial. Revista Projetar - Projeto e Percepção do Ambiente, v. 4, n. 3, p. 54-70, dez. 2019.

 

AFONSO, A. O processo de industrialização na década de 1960 e as transformações da paisagem urbana de Campina Grande. 2017. Em rede: https://upcommons.upc.edu/handle/2117/107530. Acessado em: 10 nov. 2017.

 

AFONSO, A.; GARCIA, M. A relação entre cidade moderna e industrialização: O caso do bairro da prata em Campina Grande. Paraíba. Em rede:https://www.revistas.ufg.br/revjat/article/ view/61787/34114. Revista Jatobá, Goiânia, 2019, V.1.

 

AFONSO, A.; GARCIA, M. Reconhecimento da paisagem moderna da Prata. Campina Grande. PB. Belo Horizonte: 5º colóquio ibero-americano paisagem cultural. Projeto e patrimônio. 2018.

 

AFONSO, A.; GARCIA, M. A modernização da cidade de Campina Grande e o bairro da Prata nos anos 60. Belo Horizonte: II Simpósio Científico do ICOMOS BRASIL, 2018.

 

AFONSO, A.; GARCIA, M. Arquitetura moderna e industrialização: o bairro da Prata nos anos 60. Gijón: XIX Jornadas Internacionales de Patrimonio Industrial, INCUNA, 2017.

 

AFONSO, A.; MENESES, C. A Influência da escola do recife na arquitetura de Campina Grande 1950- 1970. Belo Horizonte: Anais do 4º Seminário Ibero americano de Arquitetura e Documentação. 2015.

 

DANTAS, E. et al. Levantamento em Edificação de Interesse Histórico: Estudos Preliminares | Estudos da Conservação. Campina Grande: Universidade Federal de Campina Grande, 2018.

 

GARCIA, M. A prata que vale ouro: A casa moderna da década de 60. Campina Grande: Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Campina Grande. 2018.

 

Plano Diretor do Município de Campina Grande. Lei Complementar Nº 003, de 09 de outubro de 2006. Campina Grande: Prefeitura Municipal. 2006.

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