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METODOLOGIA DA PESQUISA

Essa pesquisa tem como objeto de discussão a explanação de notas sobre métodos para pesquisa arquitetônica de bens com valor patrimonial, desenvolvida pela autora, Profa. Dra. Alcilia Afonso, desde 2007, e adotada em seu grupo de investigação (Grupo de Pesquisa Arquitetura e Lugar) no desenvolvimento de projetos de iniciação científicos acadêmicos e em programas de pós-graduação de instituições federais brasileiras.

Também temos como objetivo  apresentar ao público interessado na área a possibilidade de criar novos caminhos para adentrarem na categoria de jovens pesquisadores, a fim elaborarem de análises arquitetônicas, que não sejam apenas descritivas, mas também, críticas, agregando informações primordiais para a apreensão e compreensão do objeto arquitetônico, e relacionando-o com seus mais distintos condicionantes.

Estamos trabalhando para a análise do objeto arquitetônico com valor patrimonial tendo por base o uso das sete dimensões aqui listadas como as fundamentais, em sua interação com a arquitetura: a dimensão normativa, histórica, espacial, tectônica, funcional, formal e de conservação:

Normativa

DIMENSÃO NORMATIVA

Ela faz referência ao levantamento inicial que se deve ter sobre as leis, decretos, registros- que protegem este determinado bem. A realização de uma pesquisa em órgãos públicos relacionados à preservação cultural em nível municipal, estadual e federal, é fundamental.

Observa-se que patrimônio cultural sofre grandes dificuldades em sua preservação no nosso país. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 216, determinou que constituíssem patrimônio cultural brasileiro, os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto.

O Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é o responsável pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro em nível federal, ficando os Estados e Municípios com os encargos locais.

O reconhecimento é parte essencial da conservação do patrimônio cultural, principalmente nos tempos atuais, onde se observa o grande risco de desaparecimento desses bens culturais pela simples ausência de “registro” e consequentemente reconhecimento. Os trabalhos de pesquisa acadêmicos colaboram com tal necessidade, fazendo com que os alunos aprendam a necessidade de dialogar a produção arquitetônica histórica com o Direito, as normas, leis.

Procurar observar se este determinando bem está devidamente inventariado, registrado, tombado, inserido em alguma área de proteção ambiental torna-se um dos primeiros passos para a análise do bem arquitetônico, seja para uma análise da obra, seja para um projeto de intervenção no mesmo.

Histórica
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DIMENSÃO HISTÓRICA

A dimensão histórica está relacionada ao fator tempo, recorte temporal, corte cronológico ou contexto social, econômico, cultural no qual o objeto arquitetônico foi projetado e construído. Assim, deve ser realizada a análise dos fatores que originaram o projeto, a obra, o cliente, os custos, na época em estudo, entendendo-se que a compreensão da relação da arquitetura com a história é fundamental nesta dimensão.

Esta dimensão histórica apoia-se em Serra (2006) que, em seu livro “Pesquisa em Arquitetura e urbanismo/ Guia prático para o trabalho de pesquisadores em pós-graduação” aponta para a existência do processo que envolve o objeto e o sistema/ condicionantes que envolvem este processo. O autor entende por processo, “o modo como se sucedem os estados diferentes do sistema no tempo” (Idem, p.72), e por sistemas, “um conjunto de objetos entendidos como uma totalidade de eventos, pessoas ou ideias que interagem uns com os outros” (Ibidem, p.70).

Vale a pensa ressaltar, que além do trabalho com ferramentas da pesquisa histórica, utilizando-se fontes primárias e secundárias, em visitas a arquivos públicos, privados, bibliotecas; trabalham-se também com ferramentas da história oral, entrevistando atores envolvidos no processo projetual, construtivo e de uso da obra analisada, a fim de se levantar informações inéditas e que colaborará para a compreensão de construção a história da edificação. A coleta de depoimentos orais, através de entrevistas e diálogos mantidos com estes atores que narram a sua trajetória, suas histórias de vida e trabalho, produz assim, um rico material analítico.

Sobre o uso do método da história oral, Portelli (2010) apresenta a história como uma narração dialógica que tem o passado como assunto e que brota do encontro de um sujeito que ele chama de narrador; e de outro sujeito que ele chama de 30 pesquisador. No entanto, ressalta que o que torna realmente significativa a história oral é o esforço de estabelecer um diálogo entre e para além das diferenças.

Espacial

DIMENSÃO ESPACIAL

Parte-se do princípio que o espaço pode ser compreendido como a paisagem do ambiente natural e a paisagem do ambiente construído e, portanto, a análise da dimensão espacial ocorrerá em dois níveis: 1) o espaço externo à obra; 2) o espaço interno da edificação.

1) No espaço externo à obra: observando-se as características do lugar e do entorno, o tipo de relevo, a hidrografia, a vegetação, a geologia, o clima, os acessos e materiais existentes nesta paisagem. Esta leitura da paisagem e seus elementos que a compõem, observando-se a identidade do lugar e suas interpretações é primordial nesta análise.

Nesta análise da dimensão espacial externa da paisagem, torna-se fundamental a leitura de uma bibliografia complementar apoiada em Lamas (2000) que realiza de forma esclarecedora estudos sobre a morfologia urbana e a paisagem da cidade; em Lynch (1997), que trata da imagem da cidade e seus e elementos compositivos, como por exemplo, as edificações, suas relações com o entorno, e transformações; em Cullen (1996) que trata a temática da construção e análise da paisagem urbana de maneira bastante elucidativa

2) O segundo nível da análise da dimensão espacial tratará do espaço interno da edificação: observando-se pontos tais como as soluções de implantação da obra no terreno; a solução do programa de necessidades em planta baixa, o zoneamento, a relação entre zonas, fluxogramas, as alturas dos espaços, as relações de transparência e permeabilidade, a existência de pátios, jardins, varandas, etc. Aqui é gerado um rico material gráfico, composto por redesenhos, imagens tridimensionais, entre outros.

Esta análise espacial da obra apoia-se em metodologia proposta por Gaston e Rovira (2007) que elaboraram um guia básico de investigação sobre o projeto de arquitetura cujo objetivo é facilitar a análise crítica e arquitetônica dos objetos estudados, apresentando ferramentas para operar o material documental de maneira eficiente, assim como, ilustrar o modo mais adequado de elaborar e apresentar as conclusões.

Assim, o enfoque da análise da dimensão espacial interna é arquitetônico e visual, e a imagem possui uma grande força, pois são os desenhos, esboços, croquis, as pranchas do projeto arquitetônico, adicionados às fotografias da edificação, que passam uma visão total do edifício analisado.

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Tectônica
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DIMENSÃO TECTÔNICA

A compreensão do que vem a ser tectônica - frequentemente definida como “arte da construção” (FRAMPTON, 1995) -, é fundamental para o entendimento desta dimensão. O termo “tectônica” é definido como o caráter essencial da arquitetura, através do qual parte de sua expressividade intrínseca é inseparável da maneira precisa da construção, não mais se apresentando como um manifesto contra o cenográfico e o representacional, como ocorreu nos primeiros textos de Frampton (1985 e 1990) sobre o tema, nos quais criticava a produção pós moderna como uma maneira de abordar a arquitetura enquanto concepção e construção, enquanto realização, conjuntamente.

Sua compreensão mudou em relação ao original grego, principalmente devido às contribuições dos teóricos alemães Carl Bötticher e Gottfried Semper no século XIX, e, mais recentemente, devido à notável contribuição de Frampton (1995) que provocou uma renovação do debate sobre a tectônica, promovendo a noção ao estatuto de “potencial de expressão construtiva” da arquitetura, capaz de reunir aspectos materiais e construtivos aos aspectos culturais e estéticos.

 

Dessa forma, ao se considerar a dimensão construtiva (a tectônica) como um aspecto fundamental no valor da obra, além das dimensões espacial, formal, funcional, observa-se a necessidade de se analisar o comportamento dos elementos estruturais dos edifícios a serem preservados e devidamente conservados.

Entende-se aqui que um sistema construtivo é composto não apenas da estrutura da obra em si, com sua divisão básica em subestrutura (fundações), e superestrutura (pilares, vigas, e peles), mas também, de seus detalhes, junções que envolvem as relações entre a materialidade e as soluções projetuais, que formam o arcabouço construtivo de determinada edificação e lhe conferem um valor construtivo a ser preservado. Com isso, os pontos de análise da dimensão tectônica a serem considerados são:

 

1. Estrutura de suporte- Deve ser observado o sistema estrutural adotado; o uso de modulação, tramas ordenadoras; os materiais utilizados na superestrutura (pilares e vigas) de paredes: a) tipo de estrutura: paredes estruturais, concreto armado, perfis metálicos; b) analisar se a solução estrutural se manifesta de forma sistemática ou sintomática; c) e a relação estrutura / configuração do edifício.

 

2. Peles- Observar quais foram os materiais e soluções empregados nas peles (esquadrias, cobogós, pedras, etc), observando-se: a) Tipo de parede: muros, painéis de vidro; b) Relação fechamento/ estrutura; c) Fechamento sistemático ou soluções particulares; d) Sistema construtivo: economia de meios ou diversificação de soluções.

 

3. Cobertura: Observar quais foram os materiais e soluções construtivas utilizados na cobertura; As soluções são expressas ou implícitas? b) Qual o papel da cobertura na configuração edifício? c) Quais foram os fechamentos visuais e que soluções foram empregadas na proteção climática?

 

4. Detalhes construtivos existentes na obra: presentes em marquises, escadas, rampas, balcões, fachadas, coberturas, esquadrias, entre outros elementos.

 

5. Revestimentos e texturas plasticidade e cromatismo material: a) textura e cor de materiais; b) textura e plasticidade de soluções.

Formal

DIMENSÃO FORMAL

A dimensão formal a ser analisada, conceitua forma, apoiando-se aqui na definição de Montaner (2002, p.8), que explica que esta deve ser entendida como estrutura essencial e interna, como construção do espaço e da matéria: “Dentro desta concepção, forma e conteúdo tendem a coincidir. O termo ’estrutura’ seria a ponte que interligaria os diversos significados da forma”. As obras devem ser analisadas, não apenas por sua aparência, mas também por seu conteúdo.

 

Por sua vez, Mahfuz (2004) escreveu que em toda construção deve-se levar em conta sua solidez, sua utilidade e sua beleza, conforme colocou Vitruvio, 2000 anos atrás, explicando que até meados do século XVIII a boa arquitetura seria aquela que apresentasse um equilíbrio entre os três componentes da tríade vitruviana: Firmitas (solidez) e Utilitas (adequação funcional), que fazem parte da esfera racional do conhecimento e Venustas (beleza, no entendimento de alguns), “que é o componente estético da tríade significando o que, em tempos pré-modernos, estava centrado nas relações proporcionais e na aplicação das ordens clássicas ao exterior dos edifícios” (MAHFUZ, 2004, s/p)​​

Enquanto a busca da beleza estava no centro das preocupações arquitetônicas até recentemente, o quaterno contemporâneo proposto por Mahfuz tem como foco a forma pertinente, resultante da interseção ou diálogo entre estes elementos: programa, lugar, construção e estruturas formais.

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Funcional
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DIMENSÃO FUNCIONAL

A análise da dimensão funcional ou de utilização da obra observa o uso original, as transformações sofridas referentes ao uso ao longo dos anos, e o uso atual da edificação. A funcionalidade do edifício deve ser analisada considerando-se as soluções do programa em planta, o zoneamento e por isso, é constante o diálogo com a análise da dimensão espacial interna, conforme foi visto anteriormente.

Segundo Colin (2000, p.41) o edifício possui três categorias de funções: função sintática, pragmática e semântica.

 

• A função sintática refere-se à relação do edifício com a cidade, o terreno, o lugar no qual está implantado, com seu contexto imediato. Qual o papel da edificação na paisagem na qual ela está 36 inserida? A análise da dimensão espacial externa dialoga diretamente com esta análise da função sintática, pois os elementos que compõem este lugar, de certa forma, reforçam a importância da obra no local onde está inserida.

 

• A função pragmática analisa as relações da obra com seus usos, atividades. Em seus diversos momentos, desde a sua origem, à contemporaneidade, observando-se as transformações sofridas ao longo dos anos.

 

• A função semântica procura analisar o significado da obra para a sociedade, pois conforme coloca Colin (2000), a edificação além de abrigar uma atividade, possuir um determinado uso, também representa e significa algo para as pessoas daquele lugar. Segundo a Carta de Burra (1980), “o termo significação cultural designará o valor estético, histórico, científico ou social de um bem para as gerações passadas, presentes e futuras”.

 

É, portanto, importante relacionar estas categorias na mesma análise, considerando-se a procura do equilíbrio entre os sistemas e deixando de lado certo radicalismo funcionalista-pragmático, o que torna o trabalho analítico mais contemporâneo, menos engessado. Busca-se, assim, propiciar a interação entre forma, função, espaço e tectônica, e, principalmente, enfatizar a relação da obra com a função que esta desempenha no lugar, seu significado na paisagem, e em si mesmo, com seu uso pré-estabelecido em projeto.

Conservação

DIMENSÃO DA CONSERVAÇÃO

Conforme foi mostrado inicialmente, esta dimensão apresenta-se como uma fase conclusiva das análises do objeto em estudo, e procura analisar o estado de conservação do mesmo, observando aspectos relevantes apontados por metodologias específicas da área da preservação patrimonial

Külh (2009) explica que a palavra preservação, no Brasil, assim como na França, possui um sentido lato e pode abarcar uma grande variedade de ações como inventários, registros, leis de tombamento, educação patrimonial e intervenções nos bens para que sejam transmitidos da melhor maneira possível ao futuro.

A conservação baseada no respeito à substância da obra, deve por isso, analisar atentamente as suas características tectônicas. Recorda-se que tal substância que foi analisada na dimensão tectônica, será aqui, observada sob o ponto de vista de suas patologias construtivas, acarretadas pelo seu uso e processo construtivo.

O surgimento de várias patologias ocorre em função de falhas humanas ocorridas nas quatro etapas ou fases fundamentais da vida de uma edificação. São elas: Concepção e projeto; Controle tecnológico dos materiais; Execução / construção; Uso e manutenção. Tais aspectos devem ser observados no estudo do objeto arquitetônico de interesse patrimonial, acompanhados finalmente dos mapas de danos (TINOCO, 2009), fichas de identificação de danos/ FIDs, que depois de diagnosticadas as patologias da obra analisada, indicarão a conduta que deve ser orientada para a preservação do bem.

A preservação se impõe nos casos em que a própria substância do bem, no estado em que se encontra, oferece testemunho de uma significação cultural especifica, assim como nos casos em que há insuficiência de dados que permitam realizar a conservação sob outra forma (CARTA DE BURRA, 1980, p.3).

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